sexta-feira, 10 de abril de 2015

Guilherme Boulos reflete sobre a Operação Zelotes e os Ladrões empresariais midiaticamente blindados, além da hipocrisia dos que batem panelas e pedem a volta da Ditadura Militar

A Zelotes e os ladrões blindados

Guilherme Boulos em artigo da Folha de São Paulo



Nada parece ser tão compensador quanto ser empresário ladrão no Brasil. Organizam um saque sistemático aos cofres públicos, são pegos com a boca na botija e recebem de troco incrível blindagem midiática.

Falo do maior escândalo de corrupção da história recente do país. Não, não é o da Petrobras. O assim chamado "petrolão", com todas as suas conexões partidárias – do PT ao PSDB, passando pelo PMDB de Renan Calheiros e Eduardo Cunha –, representou um desvio estimado em R$ 2,1 bilhões, segundo o Ministério Público Federal.

Muito dinheiro, é verdade. E um caso revelador do modus operandi do sistema político brasileiro, fundado no financiamento privado das campanhas eleitorais. Ou, como confessou Paulo Roberto Costa: "Não existem doações de campanha, só empréstimos a juros altos". Mas, evidentemente, não é por aí que vai a exploração midiática do caso.

O mais impressionante é que, no final de março, há menos de quinze dias, explodiu um escândalo de proporções maiores que o da Petrobras, mas alvo de cuidadosa blindagem. A operação Zelotes da Polícia Federal descobriu um esquema de desvio de recursos públicos por grandes empresas.

Operado através do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), com a mediação de escritórios de advocacia, empresas conseguiam anular ou reverter multas bilionárias com o poder público, mediante propinas a conselheiros. Estão sob investigação mais de 70 companhias, totalizando um desvio de R$ 19 bilhões. Quase dez vezes o valor desviado da Petrobras.

Apenas o montante do maior processo, do banco Santander, é de R$ 3,34 bilhões. O segundo maior, do Bradesco, é de R$ 2,74 bilhões. Cada um deles, sozinho, supera os R$ 2,1 bilhões da Petrobras. Somente os 12 casos em que a Polícia Federal detém provas mais conclusivas –incluindo os dois bancos citados– representam um rombo de R$12 bilhões aos cofres públicos.

Um deles é o do grupo de comunicação RBS, a maior afiliada da Rede Globo, investigada na Zelotes pela fraude num processo de R$ 671 milhões.
Corrupção graúda, protagonizada por magnatas das finanças e do mundo corporativo. Mas onde estão as manchetes histriônicas? E o som das panelas? Seria pedagógico para o país ver multidões de verde e amarelo manifestando-se em frente ao Santander, pedindo nosso dinheiro de volta. Só que não.

Nem no Santander, na Gerdau, no Bradesco e na Ford. Nem no Safra, na Mitsubishi. A Mitsubishi, tão limpinha! Essa é a imagem do setor privado no Brasil, sempre positiva, apresentado como alternativa à roubalheira no setor público.

A preservação desta imagem, mesmo após escândalos como o da Zelotes e do HSBC, só se explica pela blindagem que os grandes grupos econômicos conseguem garantir junto à maior parte da mídia, da qual são também poderosos anunciantes.

É inaceitável que os grandes corruptores continuem tendo suas identidades preservadas e tratados como coadjuvantes, mesmo sendo desde sempre os maiores beneficiários dos esquemas.

São ladrões blindados. Saem da lama limpinhos e cheirosos. E se, por descuido, vier algum respingo à marca, nada que a próxima campanha publicitária –quiçá paga com dinheiro desviado da Receita– não possa resolver.

Denúncias seletivas, indignação seletiva e acusados seletivamente blindados. Essa é a turma que fala em limpar o Brasil da corrupção?

* Guilherme Boulos é formado em filosofia pela USP, professor de psicanálise e membro da coordenação nacional do MTST. Também atua na Frente de Resistência Urbana. Escreve às quintas.

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