quinta-feira, 18 de junho de 2015

A teocracia elitista, hipócrita, fascista e covarde de Eduardo Cunha e sua Bancada da Bíblia

“Todas as religiões hieraquizadas são fundadas sobre o temor

de muitos e a esperteza de poucos.”

(Stendhal, O vermelho e o Negro)


Contra Eduardo Cunha e sua teocracia que apedreja e prende criancinhas





Por Fabio Ribeiro de Oliveira - extraído do Jornal GGN



Sob o comando do pastor o Eduardo Cunha, o Congresso Nacional, ex-sede do poder legislativo de um Estado laico e secular que subitamente transformado em templo evangélico, será submetida à votação a redução da maioridade penal. Nas ruas garotos gays são mortos à pauladas e meninas adeptas do candomblé são apedrejadas por fanáticos religiosos.

Há uma centena de metros do local onde moro fica a Igreja Jesus Operário, símbolo das lutas populares travadas na cidade de Osasco nos anos 1980. Ela foi construída/reformada com recursos próprios por um padre belga que, velhinho, voltou para a terra dele há muito tempo. Antes de partir, porém, ele participou dos movimentos de desempregados, grevistas e sem terras na minha cidade.

Certa vez o vi dando lição de moral no Juiz da Vara Criminal em que eu trabalhava em 1987. O Juiz havia praguejado contra o padre no Cartório por causa de um abaixo assinado elaborado por ele em favor de um jovem preso. Alguém avisou o padre e ele foi pessoalmente ao Cartório defender-se diante do Juiz. Quando o Juiz negou tê-lo ofendido, ele disse ao Juiz que além de ser anti-ético (por ofender quem não podia se defender em razão da ausência), ele também era mentiroso (pois negava que havia proferido as ofensas que fizera).

Acuado, o Juiz disse ao padre que ele não entendia nada de Direito e deveria cuidar das almas dos seus fiéis na Igreja. Ao que o padre retorquiu dizendo que estudara ética com os filósofos e o Direito Canônico, derivado do Direito Romano em que se baseava a legislação brasileira, e que tinha o dever moral de defender suas ovelhas dos lobos onde quer que elas fossem atacadas. O Juiz abaixou a cabeça, pediu desculpas e se deu por vencido escutando a reprovação do religioso.

Contra a autoridade do discurso até os poderosos ficam fracos. Foi o que ocorreu com o Juiz. Eu não era religioso e flertava com o marxismo naquela na época. Mesmo assim passei a admirar muito o padre que derrotara o Juiz que sempre implicava com a estrelinha do PT pendurada na minha camisa.

Em 25 anos de advocacia me vi na contingência de advogar contra um pastor evangélico e contra um pai-de-santo. O primeiro, com raiva da ex-esposa, acusou-a por carta de ter desviado dinheiro da agência bancária em que ela trabalhava. Diante do Juiz pediu perdão “pelo amor de deus” com medo de ser condenado no processo criminal.  O outro, que participava de uma disputa sindical que ficou célebre em Osasco na década de 1990, fazia mandingas na mesa de audiência da Vara Cível para se consolar ou para me assustar.

Em razão da minha profissão também acabei cruzando o caminho de outro padre. Ele na qualidade de testemunha e eu no de advogado que o contraditou quando se apresentou como testemunha do empregador do meu cliente (que havia reformado a Igreja da testemunha). Pedro negou três vezes conhecer Cristo. Este padre negou três vezes ser amigo do empregador. Mas ao fim confirmou que o empreendedor freqüentava a Igreja dele e que ele freqüentava a casa do mesmo sendo, portanto, seu amigo.

A religião dos meus clientes não me interessa. A fé daqueles com quem sou obrigado a conviver no Fórum também não me diz respeito. O Direito transcende à questão religiosa e é a única coisa que permite a uma sociedade plural seguir existindo. Mas nem sempre foi assim.

Houve um tempo em que o Estado tinha uma religião e, por força de sua submissão ao princípio religioso, se via obrigado a prender, torturar e matar aqueles que eram acusados de heresia. Os fatos recentes sugerem que estes tempos voltaram, pois uma Teocracia está sendo cuidadosamente implantada no Brasil pelo presidente da Câmara dos Deputados com ajuda dos demagogos evangélicos que pregam a intolerância nas rádios, nas redes de TV, nos templos e nas ruas onde a “diferença”, privada de cidadania por alguns missionários do ódio, tem sido condenada e executada.

A coragem admirável daquele padre belga que vi enfrentar sozinho um Juiz dentro do Fórum contrasta com a covardia das turbas evangélicas que, instigadas pelos escudeiros de Eduardo Cunha, apedrejam crianças desprotegidas nas ruas e querem mandá-las para a prisão. Não tenho vergonha de dizer que não tenho qualquer admiração por pessoas que fazem justiça com as próprias mãos, que ignoram os direitos dos seus iguais e que transformam sua religião num instrumento de opressão. Quando o Direito deixar de ser um instrumento secular de administração dos conflitos no Brasil, darei por encerrada minha carreira de advogado. Não legitimarei uma Teocracia.

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