quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A Mídia e sua modelagem, à imagem de seus interesses, da República Primitiva do Brasil


   "Estou perplexo com a continuidade  desse enredo manjado que virou a nossa história: e o que a imprensa está fazendo, gente? Como explicar a óbvia pretensão de esconder as falcatruas de Eduardo Cunha com o claro objetivo de preservá-lo, já que ele é peça fundamental para o impeachment de Dilma Rousseff? O problema não é a corrupção? Então...e aí? Como explicar a falta de ética de reportagens mentirosas que buscam incriminar o ex-presidente Lula com factoides? Forjar informações não é pior que roubar dinheiro? Você rouba o direito que a pessoa tem de ser bem informada e ter os fatos contextualizados!" - Marcelo Sanches

A República Primitiva do Brasil, por Marcelo Sanches

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A República Primitiva do Brasil
Por Marcelo Sanches
O que você faz quando descobre que algumas pessoas que ama são idiotas? Ou, na melhor das hipóteses, midiotas? Não pense que a mídia propaga as coisas para pessoas inocentes, carentes de ideologias e preconceitos, não,não. VEJA escreve para um público certo, que clama por aquelas páginas laboriosas cheias de verdades prontas, pois muitos de seus leitores  substituíram a Bíblia pela tal revista por ter reinventado a noção do bem e do mal, dos bandidos e mocinhos, assim como a TV Globo faz com suas novelas  (nas quais é comum uma pessoa com baixo grau de instrução assumir uma grande empresa da namorada e prosperar,se...claro, começar a ralar para o patrão sem reclamar de aumentos salariais nunca!) e com  o William Waack (ou será Bonner? Tanto faz!), com aquela cara de lobo esfomeado, sobrancelhas franzidas, dando as manchetes avisando que o apocalipse chegou, graças ao PT!
Se você prestar atenção, verá que na Bíblia as coisas são mais complexas, como nos lembra o Professor Leandro Karnal em um de seus livros: Noé encheu a cara de vinho e saiu peladão pela praia depois que as águas do diluvio (atenção, Alckmin!) abaixaram e com isso assustou seu filho, julgado a seguir por ver o pai nu, um ato imperdoável; isso hoje parece uma história sem nexo, não é redondinha, né? Ainda antes, Lúcifer iniciou as brigas politicas, hoje tão comuns, com ninguém mais ninguém menos do que DEUS, e foi acusado de inventar o mal. Mas, para os gregos, ele não era exatamente o representante do mal, e sim uma entidade que ia para alémdo bem e do mal, e segundo algumas interpretações também antigas, era o instigador da liberdade e da felicidade humanas. Muito complexo. A gente precisa de historinhas com começo, meio e fim. Não é? Portanto, o casamento entre a mídia e seu público é perfeito: seus filhos são os midiotas.
Por que comecei esse texto assim? Porque estou me sentindo muito estranho. Estou me isolando cada vez mais de minha família e de amigos de infância, simplesmente por não ter mais paciência em lidar com tamanha aberração preconceituosa e discriminatória que jorra de um determinismo hipócrita que insiste em identificar “bandidos” e “mocinhos” no quadro politico atual da Brazuca.
Estou perplexo com a continuidade  desse enredo manjado que virou a nossa história: e o que a imprensa está fazendo, gente? Como explicar a óbvia pretensão de esconder as falcatruas de Eduardo Cunha com o claro objetivo de preservá-lo, já que ele é peça fundamental para o impeachment de Dilma Rousseff? O problema não é a corrupção? Então...e aí? Como explicar a falta de ética de reportagens mentirosas que buscam incriminar o ex-presidente Lula com factoides? Forjar informações não é pior que roubar dinheiro? Você rouba o direito que a pessoa tem de ser bem informada e ter os fatos contextualizados!
Por que não dar destaque ao fato de que, apesar de seus inúmeros erros, de sua incrível inabilidade política  e do abandono das propostas eleitorais, a presidente quer reduzir seu salário e de seus ministros? O prefeito de São Paulo comete erros, mas também acertos e, de qualquer forma, está tentando devolver - ainda que timidamente -  para o espaço público essa cidade planejada para o mundo privado. Esses são gestos bem raros no mundo político-administrativo. Mas dar destaque ao prêmio de Alckmin como “gestor da água” é mais importante.... Façam-me rir. É a velha ladainha: os bandidões e os mocinhos, os comunistas cubanos e os liberais  bonzinhos, santa paciência! O Alckmin não tem o perfil do comissário Gordon, do Batman dos anos 60? Querem transformar Lula no Pinguim...de qualquer jeito!
Experimente tentar explicar que o PT não inventou a corrupção, embora tenha se entregado a ela, lamentavelmente. Mas, meu amigo, quer você queira quer não, a coisa é mais truncada, a vida merece estudos e reflexões sobre a história. E aí você vai ver que o bicho pega, e que você está lá no meio, contribuindo de alguma forma para que as coisas sejam do jeito que são. Eu também. Mas os ratos sempre vêm da casa do vizinho. A corrupção está em outro lugar, não aqui, no meu quintal.
Lugar comum: há que se criticar o PT e condená-lo pela manutenção da corrupção, muito bem, eu concordo, mas por acaso não se odiava o PT mesmo quando era conhecido como o “partido da ética”? Você já se perguntou por que? Se não, se dispuser de dinheiro sobrando, vá consultar um psicólogo para saber a resposta. Aí tem coisa mais íntima. Medo do outro, medo da invasão. Coisas do mundo. Foucault escreveu que todas as leis nasceram da necessidade de se defender das invasões e dos abusos dos reis. Isso é até normal, até certo ponto, claro. Somos seres sociais e a negociação exige limites. Mas espere aí: parar o Brasil porque quer no tapa tirar a presidente eleita do poder concedido a ela legitimamente? Faça-me um favor! Aí você vai me xingar e dizer: “é lógico que tem de tirá-la, até os paralelepípedos pensam assim”, como nosso grande Juca de Oliveira declarou agora...lógico? Será, Juca?
O ódio se espalha como um vírus, e isso aqui tá parecendo uma zumbilândia. Ei, Alexandre Padilha, ei, Zé da Justiça, vocês tomam porrada e ficam de lero-lero, isso não é da politica não, isso não é ser republicano não, isso é ser conivente com as bestas soltas na praça pelo apocalíptico Jornal da Globo. É quase dizer “sim, eu tenho culpa, desculpem aí”.
A comunicação não existe - não deveria existir - para confundir. Lembrando palavras de Bertrand Russell, foi por necessidade de comunicarmo-nos que surgiu a linguagem que, por sua vez, abriu caminho para os homens se entenderem, chegarem a um acordo. Nem que seja para discordarem. Esse é o ponto de partida da lógica. Antes da linguagem, havia a selvageria, onde os homens não negociavam nada, pelo contrário, conseguiam as coisas à força. Aliás, assim nasceu o ódio nas sociedades primitivas, tempo em que não havia esquerda nem direita. Digo isso porque tem neguinho carequinha e moderninho por aí dizendo que a esquerda inventou o ódio. Tolinho. O ódio sempre existiu, mas criaram-se outras opções para as diferenças humanas que não a selvageria. Ou será que a ditadura foi só uma brincadeira de forte apache? Será que vivemos ainda na República Primitiva do Brasil? Porque aqui se fala, ou se tenta falar, e não se é ouvido. Viu, Dilma?
Quer queiram quer não - e isso não é desculpa para justificar a perdição do PT-, roubou-se sempre neste país, a miséria e a desigualdade são provas disso, provas vivas, que andam pelas ruas e pelas favelas e nos noticiários policialescos - e pouca gente dá  importância para isso.  Ninguém agrediu Paulo Maluf nos bares e restaurantes. Pelo contrário. Aplaudiram. Ninguém fez panelaço para Eduardo Cunha no dia em que apareceu como um paciente psiquiátrico no programa de seu partido, lendo teleprompter e olhando para o lado como se não tivesse coragem de olhar nos olhos da gente, face to face.
Santo Deus, a internet está aqui, é fácil clicar no Google e comparar os dados econômicos da era FHC e ver que os números  –ah, os números-  não querem dizer que Dilma e os governos do PT e do PMDB (sim, o PMDB também é governo e também está envolvido em corrupção) foram os inventores da inflação, do dólar alto, da criação de mais  impostos e da distribuição de propinas. Não precisa ir longe no tempo. Outro dia, o Cunha, esse que hoje é poupado por FHC e suas Panteras e pela imprensa, declarou que foi ele, FHC, quem abriu a porteira da corrupção na estatal. Vai lá, rapaz, se liga no YouTube! Não espere que a TV Globo te lembre dessas coisas, meu amigo. Pois ela é a principal porta-voz da República Primitiva do Brasil e quer que você continue esquecendo o fato de que é um bípede e não um quadrúpede. É isso aí. Valeu
MARCELO SANCHES É SOCIÓLOGO E COMPOSITOR MUSICAL.

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