sexta-feira, 1 de abril de 2016

Artistas e intelectuais dizem não ao retrocesso político

"A classe artística mais uma vez se levanta para cumprir seu papel de vanguarda na defesa da democracia, da liberdade. Lembremos-nos de Leonel Brizola, pela sua campanha da legalidade", diz a sambista Beth Carvalho
Jornal GGN - "Eu tenho que admitir que eu sou oposição ao seu governo, presidente Dilma. Eu tenho um contentamento em poder dizer que estou em um estado democrático, de preservar as liberdades, o inconsciente coletivo do nosso povo. Esse ódio, essa sombra, de irmão contra o irmão, um plano maquiavélico criado por pessoas que viram mexer muito pouco. Isso é muito assustador. O motivo do impeachment não é por um erro, mas é pelos acertos do governo, e isso dói demais", disse a atriz Letícia Sabatella à Dilma Rousseff, em ato de artistas, intelectuais e cientistas, no Palácio do Planalto.
A atriz foi a terceira a discursar durante a entrega de 12 manifestos em favor da democracia e contra o golpe. Diante da presidente Dilma, Letícia afirmou que não concorda com o governo atual, mas defendeu a necessidade de preservar a legitimidade e os direitos conquistados pelas minorias.
"Como cidadã, não sou petista, tenho frustrações com o que esperava, sobre o empoderamento dos mais pobres. Mas confesso que estou entendendo como é a dificuldade, acompanhando esse Congresso, como é difícil. Conheci o Congresso, o Senado, e sei  o quanto há de boicote contra a transformação social do Brasil", disse, sob aplausos.
Apesar de se autodeclarar oposição, a atriz afirmou que "é inegável reconhecer" os avanços garantidos pelo ex-presidente Lula e pela presidente Dilma com as minorias. "Eu não tenho como não reconhecer essa ascensão social de uma grande maioria da população. Nada se fazia, era estagnada a essa condição. Vejo que há vontade política para isso. Mas uma vez conquistado, dado um passo, temos que ir adiante. A gente tem que andar para frente, não para trás. Por isso que eu estou aqui", completou.
Também destacou os avanços sociais da gestão petista a cineasta Anna Muylaert, diretora do filme "Que Horas Ela Volta". Em sua fala, Anna fez referência à personagem Jéssica do longa, uma jovem filha de emprega doméstica que conseguiu entrar na Universidade.
"Estou aqui hoje por amor para dizer que eu passei o ano inteiro, abraçando homens e mulheres me dizendo: 'eu sou Jessica, eu sou Jessica'. Mas eu não criei a Jessica, o trabalho que foi feito pelo governo Dilma e o governo anterior, de Lula, é estrondoso. A Europa sabe, reconhece, e aqui talvez precise de alguns anos para que reconheçam o que estamos vivendo hoje de avanços", disse a cineasta.
"Ainda haverá um dia em que subirá aqui a presidente da República que será uma Jéssica, e o seu coração estará cheio de gratidão", afirmou a diretora, emocionada, entregando o manifesto à Dilma.
"Senhora presidenta", disse o médico Miguel Nicolelis, por meio de um vídeo transmitido à plateia, dirigindo-se à Dilma: "Resista. Resista. Porque a senhora não está sozinha".
E seguiu com a convocação: "Resista, senhora, não só pela senhora, não só pelo seu mandato, mas por todos esses brasileiros, pelo princípio de que no Brasil golpes são coisas do passado e jamais serão aceitos no presente e no futuro, porque temos a responsabilidade com nossos filhos, netos e gerações, de manter essa democracia, ampliá-la e lutarmos com todas as nossas forças".
O escritor Raduan Nassar também esteve presente, anunciando que não é filiado a partido político, mas defendendo a legalidade da Presidência. "A presidente Dilma Rousseff não cometeu crime de responsabilidade. Os que insistem no seu afastamento atropelam a legalidade, subvertendo o estado democrático de direito. Os que tentam promover a saída de Dilma arrogam-se hoje sem qualquer pudor contra detentores da ética, mas serão execrados, amanhã, não tenho duvida", alertou.
"Lhe desejo, do fundo do coração, toda a energia, e forças necessárias para aguentar o trampo. Você é que está com a sua coragem segurando o barco. Por mais essa eu não esperava. Mas espero ganhar mais essa batalha", disse, em tom informal a economista Maria da Conceição Tavares, também em vídeo transmitido.
Na sequência de representantes do meio artístico, participou do ato de defesa da democracia ainda o ato norte-americano Danny Glover. "Eu gostaria de enviar uma mensagem de amizade pela sua democracia [brasileira], daqueles que a querem ver crescer, e não minar", disse, dirigindo-se à presidente: "A sua luta também é luta em todo o mundo, por democracia".
O rapper Flávio Renegado discursou em nome de comunidades e periferias: "Nas favelas a gente ainda vive esse processo, porque a PM intervém duramente contra quem vive nas comunidades. É inaceitável ainda termos Amarildos sendo assassinados, Claudias sendo arrastadas, as Jessicas incomodam. Presidente mulher incomoda. Negro com voz incomoda. E vamos continuar a incomodar. E vamos fazer com que esse papel seja cumprido. A gente está hoje defendendo a voz das comunidades, do povo do gueto. Aqui é o Brasil de verdade falando, e o Brasil precisa conhecer o Brasil de verdade".
Em vídeo enviado, Tico Santa Cruz defendeu a garantia do respeito aos 54 milhões de votos. "Saúdo todos os guerreiros presentes, não somos poucos e vamos lutar ate o final", afirmou. Confira:
Já a sambista Beth Carvalho lembrou quando conheceu o ex-presidente Lula, ainda sindicalista e que, desde então, já nos anos 60, 70 e 80, muitos artistas do samba levaram a música aos mais diversos cantos do país como conscientização política.
"A classe artística mais uma vez se levanta para cumprir seu papel de vanguarda na defesa da democracia, da liberdade. Lembremos-nos de Leonel Brizola, pela sua campanha da legalidade. A classe artística se levanta na defesa das liberdades individuais, da Constituição brasileira e principalmente na defesa do amor, é o amor que faz o artista subir no palco, e levar a sua música. O contrário do amor é ignorarem 40 milhões de pessoas que saíram da miséria. Falta de amor é o que faz o indivíduo atacar outro como ele só pela cor de sua camisa. O amor é o que faz com que a Dilma se levante todos os dias de cabeça erguida por um Brasil mais justo. Só podia ser uma guerrilheira, vai ter luta!", disse a sambista, arrancando aplausos.
Em seguida, um dos mais conceituados diretores de teatro do país, Aderbal Freire Filho fez um duro discurso, usando metáforas do vocabulário do teatro para explicar a política atual.
"Nesse momento tem sido muito usado um gênero teatral, a farsa. Eu li nessa semana um editorial de jornal que chamava de farsa quando os intelectuais, artistas, cidadãos diziam que o que esta em curso é um golpe. Farsa é exatamente o contrario. Farsa é quando personagens ridículos, fanfarrões, enterrados até o pescoço em corrupção, herdeiros de uma tradição antiga de conveniência, de escândalos nunca apurados, quando eles são usados, quando a imprensa usa esses personagens para escrever a farsa do impeachment", disse.
"Exemplo recente é querer justificar a tentativa de provar que não é golpe porque os ministros do Supremo dizem que impeachment não é golpe. Não somos marionetes, temos voz! O que nós estamos dizendo é que sem crime, e para atender a interesses escusos, é golpe", completou, voltando-se aos grandes meios de comunicação: "Essa imprensa muda de nomes. Agora chama de impeachment, já chamou de revolução. Foi golpe e é golpe".
Também nessa linha foi o vídeo enviado pelo professor sociólogo Leonardo Abritzer: "Essa é uma conjuntura de ódio, com aplauso de boa parte dos meios de comunicação".
Dilma: Somos um projeto político, ainda incompleto e inconcluso
Em resposta, a presidente Dilma Rousseff agradeceu todos os manifestos e manifestações dos representantes da classe artística, pesquisadores e intelectuais. E recordou o que foi o dia 31 de março: "Há 54 anos, nesse exato dia, um golpe militar deu início a uma fase da nossa história, ao arbítrio a direitos humanos, a direitos individuais. Nos dedicamos a uma luta que abrangeu um período longo da nossa história recente. Sofremos as consequências, muitos foram presos, outros torturados, outros obrigados a deixar nosso pais, outros morreram".
Dilma se lembrou de seus dias enquanto presa e torturada pela ditadura do regime militar brasileiro. "Nós aprendemos o valor da democracia. Nós aprendemos da pior forma possível, que é de dentro de um presídio, vendo as pessoas sofrerem, tentarem resistir à imensa força da tortura, tentando fazer com que a pessoa traísse o que ela acredita. Não é simplesmente a dor, é a quebra da integridade humana", contou.
"Aí nós chegamos ao governo. Nós somos um projeto político. Esse projeto não é de um partido apenas, é de um conjunto de pessoas de variadas origens. Nós tínhamos um foco, e esse foco estava sintetizado em duas coisas: desenvolver o Brasil e fazer a inclusão social", afirmou, completando que "o fim da miséria era só um começo" e que, a partir de então, entrariam "as Jessicas que mudariam radicalmente a questão da desigualdade, que é o acesso à educação de qualidade de milhões e milhões de brasileiros".
Dilma admitiu que ainda temos muitos problemas sociais. "Que esse processo é incompleto e inconcluso, eu não tenho a menor dúvida", afirmou. A presidente lembrou que milhares de brasileiros ainda não tem acesso a uma qualidade de educação, que seria o passo obrigatório para a "garantia da irreversibilidade da inclusão social".
Em seguida, explicou didaticamente o que é impeachment. Defendeu que não podemos "ter medo da palavra impeachment", que está prevista na nossa Constituição.
"No presidencialismo da Constituição, se eu não me engano nos artigos 85 e 86, está previsto impeachment em caso de crime de responsabilidade. O que a Constituição não autoriza é impeachment porque alguém não quer, ou porque interessa a setores que querem se beneficiar dele", disse.
Afirmou que se sofrer o impeachment, todos os outros governos também deveriam sofrer, por também praticarem as chamadas "pedaladas fiscais": "Que abrangem três coisas: o pagamento do Bolsa Família, o pagamento do Minha Casa, Minha Vida e lutamos contra a redução do crescimento econômico para o setor industrial do pais gerar emprego", afirmou.
"Todos os governos, sem exceção praticaram atos iguais ao que eu pratiquei. E sempre, sempre, com respaldo legal", disse. "Se chamaram no passado revolução de golpe, hoje estão tentando dar um colorido democrático a um golpe que não tem base. Alem disso, se perguntarem se é crime de responsabilidade qualquer processo nas contas, qualquer jurista dirá: não é crime", defendeu.
"O Brasil não pode ser cindido em duas partes. É o que estão propondo. Um golpe tem esse poder. Não é correto que as pessoas sejam estigmatizadas. Nem de um lado, nem de outro. Nós temos de lutar para superar esse momento e criar na nossa sociedade um clima de união. E não adianta alguns falarem 'vamos unir o pais'. Não se une destilando ódio, rancor e perseguição. O que nos une é a democracia e não se negocia aspectos dela", concluiu a presidente Dilma Rousseff.
Fotografias: Agência Brasil / Vídeos: Planalto

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