terça-feira, 13 de setembro de 2016

As vaias que ainda ressoam ao ilegítimo "presidente" e a operação passa-pano, em artigo de João Filho para o The Intercept


NA VÉSPERA DA CERIMÔNIA de abertura dos Jogos Olímpicos, o presidente não-eleito lembrou que, no Maracanã, “vaia-se até minuto de silêncio”. A frase de Nelson Rodrigues não poderia ser mais verdadeira. Se até presidentes eleitos foram vaiados, por que um que chegou ao cargo catapultado pela gangue de Eduardo Cunha e implantou um programa de governo rejeitado nas urnas não seria?
Tanto na abertura das Olimpíadas quanto na das Paraolimpíadas, umaOperação Passa-Pano foi montada para que vaias e xingamentos não fossem ouvidos na transmissão da TV. Mas não adiantou, o barulho e o constrangimento foram enormes.
E eu tenho a leve impressão de que a operação conta com um braço jornalístico muito eficaz. Há um grande empenho das manchetes e do colunismo em minimizar as vaias e os protestos que o presidente vem sofrendo dia sim, dia sim.
Eliane Cantanhede, a colunista da massa cheirosa que chegou a implorar por uma “trégua a Temer”, comentou na abertura das Olimpíadas: “Temer foi vaiado por alguns segundos. E daí?”.
O Antagonista de Diogo Mainardi deixou sua famosa agressividade de lado e pediu docemente para o presidente não se incomodar com as vaias.
A jornalista Mary Zaidan também tentou estancar a sangria em seu Twitter: “Insisto: só quem votou em Temer está gritando ‘Fora, Temer’”. Nessa livre e ousada interpretação dos fatos, apenas quem votou em Dilma deseja a saída de Temer. Talvez ela ache que esses eleitores deveriam ter consultado as cartas de tarô para descobrir que o vice trairia a plataforma de governo pela qual foi eleito.
Miriam Leitão foi além e terceirizou as vaias de Temer para Dilma. Em coluna na “CBN” intitulada “Vaias a Temer são por decisões tomadas por Dilma”*, a economista deu sua valorosa contribuição para a operação.
O Jornal Nacional fez um breve resumo dos protestos em todo país no dia 7 de setembro e destacou que em São Paulo a marcha foi “liderada por mascarados”numa clara tentativa de desqualificar os protestos.
O trabalho da operação tem sido árduo. Em poucos meses como presidente, Michel Temer já possui uma vasta coleção de vaias. Ele, que para muitos é um Dom Pedro contemporâneo que nos libertou das garras do bolivarianismo e impediu que nossa bandeira se tornasse vermelha, acordou sendo vaiado no desfile de 7 de setembro e foi dormir sendo vaiado na abertura das Paralimpíadas. Conseguiu a façanha de levar pra casa duas enormes vaias no mesmo dia. Quer dizer, segundo a Globo, ele foi vaiado, mas “algumas pessoas aplaudiram”. Não foi tão ruim assim.

Nos protestos que reuniram milhares de pessoas em todo o Brasil nos dias seguintes ao impeachment, José Serra saiu em defesa do seu presida edesdenhou dos manifestantes. Segundo ele, foram atos de “pequenos grupos organizados”, uma minoria que classificou como “mini mini mini mini mini mini” – seis “minis”.
O chefe da Casa Civil, Geddel, apontou a irrelevância do protesto no desfile da Independência: “a dimensão é de 18 pessoas em 18 mil”.
Quando foi buscar legitimidade na China, o presidente não-eleito respondeu ao ser perguntado se as manifestações poderiam atrapalhar o início de seu governo: “As 40 pessoas que quebram carro? Precisa perguntar para os 204 milhões de brasileiros”.
Bom, uma pesquisa Datafolha de abril já perguntou. E o resultado foi que58% dos brasileiros defendem o impeachment de Temer. Já o Ibope, da mesma época, trouxe um número ainda pior: apenas 8% da população quer vê-lo como presidente do país. De lá pra cá, nada mudou. Nas capitais, a aprovação de Temer está entre 8% a 19%, segundo pesquisa Ibope divulgada na semana passada.
Parece que o número de pessoas insatisfeitas é um pouco maior que 40, não é mesmo? A insatisfação não é tão mini mini mini mini e nem parte apenas dos que votaram na chapa Dilma/Temer. Haja pano pra passar!
É importante frisar que a nossa querida imprensa não deixou de registrar as vaias. Ela sempre publica tudo, vocês já sabem. Peguemos o Estadão como exemplo. Foi assim que ele publicou as vaias para Lula, na abertura do Panamericano, e para Dilma, na abertura da Copa do Mundo:
Os presidentes foram vaiados na abertura de dois eventos importantes para o país. São fatos muito relevantes, não tinha como não destacá-los em manchetes de capa.
Agora, quando as vaias foram direcionadas para o seu novo queridinho, o jornalismo do Estadão precisou se adequar. Essas foram as capas publicadas nos dias seguintes às aberturas das Olimpíadas e Paraolimpíadas:
Estadão fez bonito e cumpriu com louvor seu papel na Operação Passa-Pano. É preciso de uma lupa e muita boa vontade para encontrar os protestos contra Temer. Talvez a Família Mesquita não queira que a massa leitora de manchetes nas bancas de jornais fique sabendo desse revés.
Vamos ver até quando os paninhos continuarão sendo passados. Com os protestos ganhando corpo e a rejeição aumentando, a tendência é que a sujeira se acumule. E, segundo a lógica do próprio Temer, será muito difícil que ele chegue ao fim do seu governo. Há um ano, o então vice-presidente fez a seguinte afirmação sobre a ex-presidenta: “Com 7% de aprovação, fica muito difícil concluir seu mandato”. Bem, como vimos, a aprovação de Temer está variando entre 8 a 19% nas capitais.
*Logo após a publicação, o título da coluna foi trocado e Miriam disse que não foi bem isso o que quis dizer. Acontece. Algum estagiário abusado deve ter trocado o título a seu bel prazer.

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João FilhoJoaofilhosep@​gmail.com@jornalismowando

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