Donald Trump e Lula (Foto: Reuters | ABR)
247. - O Brasil está sob ataque de um imperialismo em crise, num mundo que já não comporta mais o unilateralismo. Não há retorno viável ao domínio decadente dos Estados Unidos sobre os demais países. A tentativa de minar a soberania das potências emergentes, especialmente por meio da apropriação de reservas estratégicas de minerais, como o nióbio, o lítio e as chamadas terras raras, das quais o Brasil detém 25% das reservas mundiais e de enfraquecer os mecanismos nacionais de proteção frente aos interesses das Big Techs, que manipulam a autodeterminação das subjetividades, revela a nova face do conflito geopolítico global. Além disso, o impacto da influência dos Brics no cenário mundial e a crescente projeção do Brasil nessa organização desafia a hegemonia estadunidense. Como agravante, de acordo com o jornalista Jamil Chade, do site Vero Notícias, análises da inteligência brasileira apontam para suspeitas crescentes de que estejam em curso ações estratégicas de desestabilização do governo Lula, supostamente articuladas pela CIA com o aval da Casa Branca. Trata-se, ao que tudo indica, de uma tentativa de preparar o terreno político para a eleição de 2026, favorecendo a ascensão de um aliado fiel aos interesses de Washington. O conjunto desses fatores estão entre as subjacentes razões das ameaças de Trump, como símbolo da tentativa de reimpor a lógica de supremacia americana.
Nessa perspectiva, o desumano, inelegível e antipatriota, que agora apela, em tom de clemência, com um choro ensaiado é apenas um instrumento da política de sanções promovidas por quem se considera o mais temido líder global. No entanto, a chantagem trumpista ao usar Bolsonaro como desculpa teve um efeito colateral imprevisto: serviu para unir o povo brasileiro no repúdio à mesquinhez da família que, ao longo dos anos, saqueou os cofres públicos com golpes que variam do vulgar ao abjeto, culminando na tentativa de colocar em risco a integridade soberana do próprio país.
Nesses tempos turbulentos, o Brasil tem girado em torno de consertar os efeitos dos problemas causados pelos desvarios cometidos por Trump e seus auxiliares: Bolsonaros e asseclas. Esses impropérios têm sobrecarregado o Poder Judiciário na defesa da constitucionalidade e o Poder Executivo que além de ocupar-se com a reconstrução do que foi deliberadamente destruído durante o desgoverno de Jair Messias, está envolvido com as negociações para evitar as consequências nocivas à economia brasileira, caso vigore o tarifaço.
A onda bolsonarista estimulou a eleição de parlamentares substancialmente desqualificados, à imagem e semelhança de Bolsonaro e de seus filhos que vivem dos cargos públicos, sem oferecer nenhuma contribuição legislativa digna. São figuras beligerantes, despreparadas e abusivamente oportunistas em favor de causas que os beneficiem exclusivamente. Elegem-se com discursos populistas, mas defendem causas corporativistas do mercado, omitindo propositalmente a realidade do país em meio à profunda desigualdade social perpetuada por um sistema econômico concentrador de renda a partir de uma herança escravocrata e latifundiária, de uma educação desigual marcada pela exclusão, de um modelo tributário injusto fortalecido pela submissão do poder político ao poder econômico.
Esses políticos da extrema direita e direita fisiologista exploram a ingenuidade de pessoas em situação de desamparo. Em vez de oferecerem políticas públicas concretas que possam melhorar a vida dessa população, fazem promessas vazias, reforçando um ciclo de alienação. Instalados no Congresso, utilizam seus mandatos para desviar recursos públicos em favor de interesses próprios. Patrocinados pelas máfias corporativas interessadas em angariar vantagens pra si, atuam em detrimento das demandas populares e do desenvolvimento estrutural do país.
As consequências do desserviço criminoso provocado pelo clã detrator da nação junto ao governo Trump ameaçam a estabilidade econômica do país, o cerne de uma variedade de setores produtivos e o emprego de milhares de trabalhadores estão sob risco. O cenário é complexo pela proporção dos prejuízos que podem advir, se a alíquota de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos perseverar ao que tudo indica, uma vez que, nenhuma resposta foi dada ao governo brasileiro acerca das duas cartas de negociações enviadas ao governo americano em 16 de maio e na semana passada, entre outras tratativas. Restam poucos dias até a validação do tarifaço, e não há qualquer indício de recuo nas sanções.
Essa química deletéria entre os extremistas da direita brasileira e americana uniu o útil ao oportunismo imperialista. De um lado um governo estrangeiro autoritário, intervencionista e interessado em tirar vantagens inescrupulosas por meio de chantagens descabidas, de outro um país que tem vivido sob tensionamentos desde o impeachment da presidente Dilma, atravessado por seis anos de governos liberais de Michel Temer e Jair Bolsonaro, e por um congresso composto majoritariamente por parlamentares da extrema direita de perfil fascista e de uma direita que oscila de lado conforme conveniências utilitárias.
O impacto potencial dessas sanções não pode ser subestimado. Os Estados Unidos representam um destino estratégico para exportações brasileiras, e uma interrupção brusca nesse fluxo comercial pode causar dificuldades econômicas expressivas para o país que, apesar da alta taxa Selic de 15%, a segunda maior do mundo, inferior apenas a da Turquia com 14,4%, vinha apresentando índices de crescimento surpreendentes diante das previsões.
Diante das dificuldades, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad reafirmou o compromisso do governo brasileiro em manter-se à mesa de negociação. Segundo ele, não há justificativas técnicas ou políticas para a imposição de sanções ao Brasil. O governo também está construindo um plano de contingenciamento em relação às empresas mais afetadas para que os prejuízos sejam minorados. Soma-se a essa medida, os inúmeros encontros do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Geraldo Alckmin, com setores atingidos pelo tarifaço.
Esses esforços têm sido massivos e envolvem também uma comitiva multipartidária composta por oito senadores que viajarão a Washington para esclarecer os parlamentares americanos sobre os riscos das sanções para ambos os países. Porém, Eduardo Bolsonaro ao saber dessa iniciativa fez nova investida tentando influenciar os parlamentares americanos a não receberem a comitiva. Mais do que isso: declarou nas redes sociais que a iniciativa está “fadada ao fracasso” e que “não há sequer início de discussão sem anistia ampla, geral e irrestrita”. A postura nefasta e de traição aos interesses do Brasil dessa figura pretenciosa e abominável passou dos limites.
Nesta semana, com o encerramento de sua licença parlamentar, o deputado que pretende permanecer nos Estados Unidos, solicitou ao Partido Liberal apoio para manter-se no mandato. Entre as alternativas, os aliados aventaram a possibilidade de Eduardo ser convidado para um cargo no Executivo estadual com exercício no Exterior. Essa artimanha permitiria a ele renovar a licença parlamentar para o exercício no novo cargo.
A desfaçatez tem sido a tônica desses extremistas. Eduardo Bolsonaro dobrou a aposta contra o ministro Alexandre de Moraes, afirmando, em uma live, que pretende tirá-lo do Supremo Tribunal Federal. E como se não bastasse, expressou que os presidentes das duas casas do Congresso Nacional, também estão no radar de Trump.
Há também, a tentativa de atribuir ao governo Lula a culpa pelas sanções impostas por Trump com a alegação de que existe um distanciamento do governo brasileiro em relação ao governo trumpista. A atuação, principalmente, do partido liberal é marcada pela permanente lesão à verdade. Nas últimas semanas, o partido tem feito investimentos pesados em produção de fake news com o fim de confundir a opinião pública sobre a verdadeira origem das sanções.
Em 21de julho, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante, à revelia do recesso parlamentar, realizou uma reunião emergencial na Câmara para planejar estratégias após a operação da Polícia Federal contra o réu Bolsonaro. A reunião foi um fracasso, reunindo apenas 28 deputados e dois senadores. Nesse dia, num ato de submissão ao governo americano, ostentaram um cartaz nas dependências da Câmara de deputados, com o slogan de Trump Make America Great Again. Apesar dessas provocações do PL o recesso foi mantido pelo deputado Hugo Motta. Porém resultou mais uma vez numa articulação encenada pelo réu Bolsonaro à Suprema Corte com o fim de criar constrangimento às últimas medidas cautelares impostas a ele. Bolsonaro continua esticando a corda ao máximo com o objetivo de mobilizar manifestações contrárias às decisões da justiça por meio dos velhos argumentos de perseguição política, de censura à liberdade de expressão.
Diante do descumprimento das medidas cautelares impostas pela Primeira Turma do STF, o ministro Alexandre de Moraes convocou a defesa de Bolsonaro. Seus advogados alegaram que ele “não teve a intenção de desobedecer” às ordens judiciais. Embora houvesse especulação sobre sua prisão, Moraes, com cautela e estratégia, decidiu não decretar a prisão, por ora.
Enquanto a extrema direita esperneia em suas tramas corrosivas, o presidente Lula segue o caminho oposto. Participou, no Chile, do encontro “Democracia Sempre”, ao lado dos presidentes da Colômbia, Espanha e Uruguai O evento abordou temas centrais como a defesa da democracia e do multilateralismo; o combate às desigualdades; e o enfrentamento à desinformação digital. Após o encontro, Lula referiu: “Neste momento em que o extremismo tenta reeditar práticas intervencionistas, precisamos atuar juntos. A defesa da democracia não cabe somente aos governos. Requer participação ativa da academia, dos parlamentos, da sociedade civil, da mídia e do setor privado”.
A poucos dias do desfecho da ameaça da tarifa arbitrária sobre o Brasil, tomou conta da mídia americana e internacional o escândalo envolvendo Donald Trump no caso Jeffrey Epstein, bilionário acusado por tráfico sexual de menores, condenado e morto em 2019. Trump está na lista de Epstein. Esse episódio está mexendo com os nervos de Trump. Resta saber se essa fúria sobrará para mais retaliações em tarifaços aos países na tentativa de distrair a atenção de sua associação a Epstein.
Essas suspeitas, somadas às revelações de possíveis ganhos financeiros indevidos por investidores com acesso privilegiado a anúncios tarifários dá para depreender em que terreno movediço pisam os países nas tentativas de negociações econômicas com o país governado por essa figura grotesca, marcada por tantas suspeitas e por atos reais de chantagem que imprime ao Brasil para liberar um réu sobre o qual perduram provas robustas de tentativa de ruptura do Estado de Direito. Réu que acumula outros atos infames e cruéis: contra a vida dos brasileiros na pandemia, contra o meio ambiente, fraude nos seus registros de vacinação contra a covid-19, ganhos com a venda de joias presenteadas ao país, ataques ao processo eleitoral, criação da Abin paralela, do gabinete do ódio, aparelhamento das instituições, entre outras ilegalidades.
Diante de tantos elementos que se sobrepõem, das ameaças externas às traições internas, da ingerência norte-americana às manobras do clã Bolsonaro, fica evidente que o Brasil enfrenta não apenas uma crise diplomática e econômica, mas uma grave tentativa de desestabilização política e institucional. O tarifaço imposto por Donald Trump representa mais do que uma retaliação comercial, é a expressão de um imperialismo que se recusa a aceitar a emergência de um novo protagonismo internacional, especialmente de países do Sul Global organizados em blocos como os BRICS. Enquanto isso, no plano interno, figuras como Eduardo Bolsonaro seguem operando como elos desse projeto imperialista, sabotando ações do governo brasileiro, traindo o próprio país em nome de interesses pessoais. A tentativa de desqualificar as instituições democráticas e enfraquecer a soberania nacional não é apenas um ataque político é uma afronta ao país. Ainda assim, a resposta da sociedade brasileira tem sido vigorosa, inclusive apoiada pelos senadores americanos opositores ao governo Trump. A união de diferentes setores em torno da legalidade, do multilateralismo e dos princípios democráticos indica que, há resistência. O governo brasileiro, embora ameaçado age de modo propositivo e soberano.